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Josiane Fernandes

August 19th, 2019

Empreendedores de favelas usam mídia social e temporalidade para estimular o turismo e combater percepções negativas

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Estimated reading time: 10 minutes

Josiane Fernandes

August 19th, 2019

Empreendedores de favelas usam mídia social e temporalidade para estimular o turismo e combater percepções negativas

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O descontentamento de moradores locais com o turismo adotado em favelas, sob um modelo de “safari”, está criando um mercado novo e vibrante de caminhadas guiadas, como na Rocinha, Rio de Janeiro. As mídias sociais têm lhes permitido alcançar diretamente potenciais consumidores, ao mesmo tempo em que alianças locais circunstanciais sinalizam que eles podem proporcionar um “produto” ao mesmo tempo seguro e sedutor. Além de estimular a economia local, as caminhadas guiadas permitem aos visitantes experimentar a favela antes como uma comunidade acolhedora e próspera que um reduto perigoso do tráfico de drogas, retratado pela mídia dominante, escreve Josiane Fernandes (University of Lancaster).

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Qual é a primeira coisa que vem à mente quando você lê “favelas no Rio de Janeiro”? Para a maioria das pessoas, a resposta provavelmente envolve pobreza, criminalidade, armas e drogas, problemas comumente associados à versão estigmatizada da favela. Mas, à medida que empreendedores locais começam a estabelecer um mercado para o turismo nestas comunidades, novas associações com as favelas, para além daquelas tipicamente negativas, são criadas e a chave para este sucesso é uma combinação entre o uso de mídias sociais e temporalidade.

Rocinha, a maior favela do Brasil, se estende por uma encosta do Rio (Igor FernandoCC BY-NC 2.0, marca d’água removida)

Turismo na favela

Extremamente popular como destino turístico, o Rio de Janeiro é conhecido pelo contraste entre vistas impressionantes e desigualdade desenfreada. Prédios com apartamentos que custam milhões de reais com vista para o mar figuram decadentemente sobre as favelas que se amontoam a seus pés. Apesar das tentativas de esconder as favelas de turistas, estas comunidades continuam sendo parte óbvia da paisagem, mas tendem a ser negligenciadas por turistas que se dirigem para as populares praias locais como Ipanema e Copacabana.

No entanto, o turismo em favelas não constitui um novo fenômeno. Agências localizadas na cidade além dos limites da favela – o “asfalto” – oferecem “turismo de realidade” desde os anos 1990, com aumento na demanda especialmente depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, sediada pelo Rio de Janeiro. Os residentes, porém, não vinham colhendo os frutos das atividades das agências que traziam hordas de curiosos aos seus locais de residência e aqui haviam dois problemas principais:

  1. Os turistas eram trazidos a bordo de jipes, no estilo safari, fotografando com suas câmeras caras a vida nas comunidades.
  2. Os visitantes continuavam completamente alheios à comunidade enquanto os moradores permaneciam em seus papéis de espectadores-atração.
Turistas entram na Rocinha em caminhadas guiadas, organizadas por empreendedores locais (© 2019, Josiane Fernandes)

Descontentes, alguns moradores da Rocinha – a maior favela do Rio – decidiram oferecer uma experiência diferente com seus próprios tours. Estes empreendedores locais adotaram então um formato de “walking tour”, um tour feito a pé, onde os visitantes podem interagir com as pessoas da comunidade, fazer refeições em restaurantes locais, visitar ateliers de artistas da Rocinha e projetos sociais. Neste formato, o turismo serviria um duplo propósito: estimularia a economia local e ofereceria aos visitantes uma oportunidade de ver a favela como uma comunidade acolhedora e próspera, uma representação alternativa à da favela como um perigoso reduto do tráfico.

Mas estes empreendedores pioneiros precisavam primeiramente superar uma grande barreira: como encontrar e atrair turistas para a favela percebida como perigosa?

Mídias diferentes, efeitos diferentes

O filme Cidade de Deus foi a primeira produção famosa retratando a vida nas favelas. Lançado em 2002, o filme mostrou uma favela tomada por comandos, exercendo controle sobre as comunidades pobres através de violência extrema. E apesar do desenvolvimento de tecnologias digitais que podem oferecer oportunidades para novos olhares sobre a realidade da vida na favela, a imagem de criminosos e violência persiste, e continua a impactar diretamente como as favelas e seus moradores são percebidos por estrangeiros e também por brasileiros.

Contudo, os empreendedores da favela perceberam que, permitindo o contato direto com o seu público-alvo, as mídias sociais também oferecem uma forma de combater o estigma da favela. No Rio, estes empreendedores estão usando o Facebook para promover tours e para compartilhar as avaliações de visitantes anteriores. Nas suas FanPages – os perfis do Facebook voltados para negócios – qualquer pessoa pode acessar fotos, vídeos e depoimentos de turistas de várias partes do mundo, que em sua maioria narram experiências positivas nas favelas. Deste modo, as mídias sociais possibilitam aos turistas entrar na favela virtualmente, transformando a favela temida e desconhecida em familiar.

Mas mais importante, mídias sociais permitem que os empreendedores da favela, sem negar a existência real de confrontos armados e os comandos, mostrem que estes não são onipresentes. De fato, a ideia de que gangues e conflito armado coexistem naquele mesmo espaço faz parte do equilíbrio sedutor entre segurança e perigo que tornam os tours na favela mais atrativos. A nossa pesquisa mostra que as mídias sociais permitem que empreendedores da favela usem aspectos do seu próprio estigma a seu favor ao incluí-los em uma oferta de mercado persuasiva.

Caminhadas guiadas tornam possível um maior e melhor envolvimento com moradores e negócios locais (© 2019, Josiane Fernandes)

Alianças temporárias para segurança e negócios

Ao agendar um tour à Rocinha, turistas em potencial recebem instruções específicas. Eles são avisados que a uma certa hora, uma certa pessoa os encontrará aos pés do morro, geralmente na estação de metrô São Conrado/Rocinha. Eles serão levados a pé pela estrada principal da favela até o topo, e ao longo do caminho visitarão estabelecimentos locais como lojas e restaurantes, e conversarão com moradores.

Talvez eles vejam uma apresentação de capoeira ou visitem uma laje – o topo das casas típicas da favela – para degustar a tradicional feijoada brasileira, sempre avisados e feitos cientes das áreas onde estão os membros do comando. De fato, alguns empreendedores da favela inclusive oferecem como opção caminhar pelos locais onde estão membros do comando contanto que sigam certas regras – particularmente em relação a fotografias – o que torna o “produto” ainda mais sedutor.

Temporalidade é a chave para a abordagem provocativa, porém crível. Os empreendedores da favela oferecem uma promessa de coordenação temporária de pessoas e serviços que podem proporcionar uma experiência turística segura dentro de limites pré-estabelecidos. Portanto, a oferta é que em um certo momento, em certos lugares, guiados por certas pessoas, os turistas podem aproveitar a Rocinha como um lugar de turismo tão seguro quanto qualquer outra parte do Rio.

“Muita gente tem preconceito, tem medo. Então quando a gente mostra que eles podem vir, que nós temos um grupo de locais que tem uma agencia de turismo local, que eles podem vir com segurança, que eles podem ver que tem entretenimento, […] eles vão ver os problemas, mas também vão ver o que é novo, porque a Rocinha temo seu glamour.” (A., residente da Rocinha e guia turístico)

A beleza das mídias sociais é dar vida à promessa. No Facebook, visitantes em potencial mesmo que nunca tenham pisado no Brasil podem, de certa forma, visualizar e interagir com a favela. Estas pessoas podem utilizar outras plataformas e websites como o TripAdvisor, Google Maps e Yelp! para acessar outras avaliações ou até para navegar e explorar as ruas da Rocinha. Para os empreendedores da favela, as mídias sociais oferecem uma forma de comunicar as suas próprias narrativas e combater a estigmatização da favela na mídia tradicional.

Em linhas gerais, a nossa pesquisa mostra que as mídias sociais podem ser vitais na criação e manutenção do mercado de turismo em favelas. Elas têm o poder de conectar pessoas e lugares distantes, fazendo o inacessível parecer acessível.

Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Por favor, notem que nem todas as imagens são cobertas pela Licença geral Creative Commons
• Esta postagem traz o artigo em co-autoria da colaboradora Managing to make market agencements: the temporally bound elements of stigma in favelas (Journal of Business Research, 2019)
• Traduzido por Josiane Fernandes
• Por favor, leia nossas Políticas de Uso (EN) antes de fazer comentários

About the author

Josiane Fernandes

Josi Fernandes is a lecturer in the Marketing Department at the Lancaster University Management School. She is interested in markets and how they are created, maintained and transformed. In the past 4 years she has been working with favela entrepreneurs exploring the entanglement of digital technologies, everyday life and market making practices. Her most recent study was published in the Journal of Business Research.

Posted In: Political economy

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