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Clare Wenham

Gabriela Lotta

Denise Pimenta

April 6th, 2020

Mosquitos e Covid-19 são uma bomba-relógio para a América Latina

0 comments | 44 shares

Estimated reading time: 6 minutes

Clare Wenham

Gabriela Lotta

Denise Pimenta

April 6th, 2020

Mosquitos e Covid-19 são uma bomba-relógio para a América Latina

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A pandemia de coronavírus na América Latina ocorre em um cenário de alto número de arbovírusoses, como a dengue, chikungunya, febre amarela e zika. As diretrizes globais para o combate ao Covid-19 não levam em consideração as especificidades locais, subestimando, em especial, os fatores de risco sociais subjacentes a esta “sindemia”. Com o sistema de saúde brasileiro em risco de sobrecarga, o trabalho essencial dos agentes comunitários de saúde deve ser protegido a todo custo, escrevem Clare Wenham (LSE Health Policy), Gabriela Lotta (Fundação Getulio Vargas) e Denise Pimenta (Fundação Oswaldo Cruz).

• Also available in English

A dengue, a zika e agora o Covid-19 são desafios globais de saúde que, coletivamente, amplificam o impacto um do outro na saúde pública. Para além de conceitos como “comorbidade” ou “epidemia cruzada”, essa “sindemia” é uma bomba-relógio para a América Latina.

A nurse takes a blood sample in rural Colombia
Agente comunitário de saúde coleta amostra de sangue como parte das atividades de controle de arbovírus em Baranquilla, Colômbia (Joshua E. Cogan/PAHOCC BY-NC 2.0)

Diretrizes globais para uma sindemia latino-americana?

O termo sindemia implica uma rede complexa de fatores sociais e ambientais que promovem e ampliam os efeitos negativos de interações entre doenças. No caso de doenças transmitidas por mosquitos na América Latina, os mesmos locais onde mosquitos se reproduzem serão aqueles onde o Covid-19 terá mais impacto. Pobreza, baixos níveis de educação, alta densidade populacional, falta de saneamento e acesso sustentável à água, falta de acesso aos serviços de saúde, moradia precária e gestão de resíduos, bem como desigualdades de gênero podem reforçar a reprodução social da doença.

Surgiram algumas preocupações, por exemplo, sobre as intervenções em saúde pública exigidas pela Organização Mundial da Saúde.

Recomendações para lavar as mãos por 20 segundos são inúteis caso não haja água para lavar as mãos. Pedir às populações que se isolem só é possível se elas tiverem casas em primeiro lugar. O distanciamento social é praticamente impossível se houver 10 a 15 pessoas morando em uma casa ou se essa casa for mal construída e não possuir paredes estruturais. Como que as pessoas podem ficar em casa se sua estabilidade econômica diária depende de seu trabalho informal? E os que estão além dos limites da rede de segurança social, não contabilizados pelas estruturas e cálculos do governo?

Essas são considerações muito reais para muitos na América Latina e, particularmente, para o povo brasileiro. Além da inadequação das recomendações globais que negligenciam os contextos locais de vulnerabilidade e desigualdade, o Covid-19 também se sobrepõe a várias outras condições de saúde como as doenças tropicais negligenciadas.

A sindemia coronavírus-arbovírus no Brasil

No Brasil, o Covid-19 chega em paralelo a uma grande epidemia de dengue. Pior ainda, esta epidemia chega logo após o surto de zika em 2016, à introdução da chikungunya e um surto de febre amarela em 2018.

Enquanto o Covid-19 tem se espalhado pela América Latina, as autoridades brasileiras continuaram a menosprezar a importância do Covid-19 no contexto da dengue, que em 2019 registrou o maior número de casos na história das Américas (3,14 milhões de casos). E em 2020, já foram registrados mais de meio milhão de casos na América Latina.

Casos registrados de dengue e proporção de casos extremos, região das Américas. 1999-2020
Fonte: Plataforma de Informação em Saúde para as Américas (PLISA, OPAS/OMS)

Casos de arbovírus, disseminados pelos mosquitos Aedes aegypti, dispararam nos últimos anos. Apesar de várias intervenções governamentais para limitar sua disseminação, nenhuma conseguiu fazê-la de forma sustentável. A necessidade de mitigar o Covid-19 e, ao mesmo tempo, realizar o controle vetorial de rotina, bem como tratar dos infectados com arbovírus, pode facilmente sobrecarregar o Sistema Nacional de Saúde (SUS) para muito além de seus limites.

Caso as modelagens de disseminação do Covid-19 estiverem precisas, as estimativas mais recentes sugerem que o SUS estará à beira do colapso por volta de abril de 2020, mesmo mês que geralmente se observa o pico para a incidência da dengue.

O papel central dos agentes comunitários de saúde

Os agentes comunitários de saúde (ACS) e os agentes de combate as endemias (ACE) tem papel central nas ações de prevenção e controle de arbovírus transmitidos por mosquitos.

Os agentes comunitários de saúde visitam residências para fornecer serviços de saúde diretamente aos habitantes e fornecer informações sobre os riscos à saúde pública àqueles que estão com maior risco de infecção. Enquanto isso, agentes de combate as endemias adotam estratégias de fumigação e redução de focos de mosquitos em residências e espaços públicos. Esses trabalhadores agem de forma territorializada, visitando casas e interagindo intensa e ativamente com as comunidades. Mais recentemente, eles também forneceram informações sobre o Covid-19 e acesso aos serviços de saúde primária.

Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou diretrizes relacionadas ao Covid-19 específicas para os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate a endemias pedindo-lhes para apoiar o envolvimento e a preparação da comunidade para o surto. Isso significa fornecer orientação e informação sobre a lavagem de mãos e distanciamento social, além de identificar novos casos e relatá-los às equipes de vigilância em saúde.

Há, no entanto, uma tensão entre as recomendações de saúde pública sobre distanciamento físico e a necessidade dos profissionais de saúde em interagir diretamente com as comunidades para controlar o Covid-19, além dos arbovírus como dengue, zika e chikungunya. Além do mais, esses agentes comunitários de saúde (em sua maioria mulheres) não estão recebendo equipamento de proteção individual (EPI) ou capacitação, o que os deixa em risco de infecção durante o envolvimento direto com as comunidades. Desta forma, é provável que alguns não consigam dar continuidade ao seu trabalho, seja por se auto isolarem ou por relutância em se expor a esses riscos.

Facções, governança e controle de vetores

Além disso, a governança territorial que tem emergido em contextos da epidemia em algumas favelas tem demostrado como facções tem policiado a entrada em seus territórios implementando toques de recolher para minimizar o potencial de transmissão. Sabemos pela epidemia de zika que as facções podem controlar o acesso aos cuidados de saúde, inclusive se e quando agentes comunitários de saúde ou agentes de combate a endemias podem estar presentes. É provável que esse fenômeno seja amplificado durante a crise do Covid-19.

A maior preocupação, portanto, além de uma explosão do surto de Covid-19, seria um surto simultâneo de dengue, chikungunya, febre amarela e zika devido à desintegração do controle de vetores junto à comunidade. Esse tipo de convergência quase certamente prejudicaria o SUS e causaria uma grande crise nacional nas próximas décadas.

Como tem ocorrido repetidamente no passado, as emergências sanitárias podem distorcer as atividades dos sistemas de saúde de maneira mais ampla: todo o foco do sistema é frequentemente sequestrado pela necessidade de responder à crise imediata. Enquanto isso, áreas rotineiras de assistência à saúde – como o controle de doenças endêmicas, assistência materna e imunização infantil – acabam sendo negligenciadas, sem financiamento e sem implementação.

Um apelo às autoridades

Dado nosso conhecimento existente sobre como essas falhas ocorrem, faz-se um apelo aos governos e organizações internacionais que reconheçam e respondam aos desafios concorrentes apresentados pelos arbovírus durante a crise do coronavírus. Juntas, instituições nacionais, regionais e globais devem garantir que os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias sejam não apenas justamente compensados por seu trabalho, mas também adequadamente protegidos por meio do fornecimento de equipamento de proteção individual adequado.

Se a América Latina conseguir desarmar essa bomba-relógio de saúde pública, será também em grande parte graças aos esforços anônimos desses profissionais de saúde que protegem as comunidades da disseminação do Covid-19 e mantém as atividades de controle de vetores contra doenças como dengue, chikungunya, febre amarela e zika.

 

Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Tradução de Denise Pimenta
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About the author

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Clare Wenham

Dr Clare Wenham is Assistant Professor of Global Health Security in Department of Health Policy, LSE. Her research focuses on global health security, notably the political and policy implications of the recent outbreaks of Zika and Ebola.

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Gabriela Lotta

Dr Gabriela Lotta is Assistant Professor of Public Policy in the Department of Public Administration, Getulio Vargas Foundation. Her research focuses on policy implementation, notably the role of community health workers.

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Denise Pimenta

Dr Denise Pimenta is an anthropologist and researcher at the Oswaldo Cruz Foundation (Fiocruz), part of the Brazilian Ministry of Health. She has an interdisciplinary interest and experience in: public health, health education, health anthropology, information and communication, global health, and neglected/tropical diseases.

Posted In: COVID19 | Society

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